PARODIANTES DE LISBOA
Patilhas e Ventoinha
Aquele que havia de ser o grande Patilhas nasceu, há uma cabazada de anos (ou mais...), numa terra cujo nome não revelaremos, para evitar que as pessoas que lá moram desatem a inaugurar estátuas muito mal feitas do famoso detective, e a pôr o seu nome a todas as ruas lá do
sítio.

Patilhas nasceu neto de avós incógnitos. Ninguém sabe quem foram os seus antepassados—mas há quem diga que ele teve um tio que usava bigode e sofria de insónias, passando todas as noites a fazer investigações, para descobrir pulgas na cama. Segundo reza a lenda, o tio de Pati lhas conseguiu, numa única noite descobrir rasto de 1769 pulgas, o que deve constituir o record mun dial desta interessante modalidade desportiva.

Talvez provenha daqui o espírito investigador de Patilhas — que, sendo ainda menino de colo, disse um dia para a ama: «Quero a esquerda, que é maior!...» Isto revelou imediatamente as suas excepcionais qualidades de observação...

PATILHAS
"O Caso do Jockey" (pequeno fragmento 46seg)
" O Caso da Ameaça" R. Comercial 1992 BREVEMENTE
Mais tarde, já com 15 anos (andava ele a acabar o seu Curso Superior de Instrução Primária). Patilhas desvendou o seu primeiro crime!
Olhando para a gaiola do canário, e vendo que este desaparecera misteriosamente, e que o Tareco, sentado em cima do banco da cozinha, lambia os beiços, declarou: «O criminoso foi o gato!»
Recebeu muitos parabéns, e alguns caramelos, de presente. O gato foi engavetado, e entregue à carroça da Câmara, na manhã seguinte.
(Daí a dias, o canário, que tinha ido dar uma voltinha, a visitar as canárias da vizinhança, voltou paraa gaiola, provando que, afinal, não tinha havido crime nenhum. Mas, nessa altura, o criminoso já tinha sido executado...)
A partir daí, nunca mais pararam os êxitos na carreira detectivesca do grande Patilhas! Leu todos os livros policiais que havia na Biblioteca Municipal lá do sítio e sentiu-se capaz de ser um grande detective.
Um dia, ao ouvir gritaria e ruídos de luta em casa de um casal vizinho, entrou, de pistola de plástico em punho, e prendeu o marido, obrigando-o a acompanhá-lo à esquadra mais próxima, ao mesmo tempo que lhe gritava: «Terás o justo castigo, miserável maltratador de mulheres indefesas !» (Mais tarde, provou-se que o homem não tinha feito nada, e que, pelo contrário, a esposa é que tinha provocado o barulho, batendo-lhe com o clássico rolo da massa, porque ele tinha chegado a casa 4 minutos mais tarde que a hora que ela lhe marcara... Mas isso não tirou o mérito à acção enérgica e decidida do grande detective).
Patilhas já descobriu e solucionou milhares de crimes, na sua fulgurante carreira. À medida que ia progredindo na sua actividade, ia ganhando fama... e dinheiro—a tal ponto que, um dia, comprou um carrinho e uma casa, no sistema de propriedade horizontal (a casa, não o carrinho). Instalou o seu escritório, arranjou um ajudante, o Ventoinha, e pôs uma tabuleta na porta: «Descobrem-se crimes a prestações».
Especialmente desde que trabalha na Rádio, onde apresenta dia riamente as suas aventuras, o grande Patilhas é um herói popular, que toda a gente conhece e admira. Se, às vezes, mete água, isso não interessa... Água, até os guarda-chuvas metem, e são guarda-chuvas...
Um grande mistério existe e persiste, na vida deste grande detective particular à parte: ninguém sabe se ele é Patilhas por ter patilhas... ou se tem patilhas por ser Patilhas...
Este é um mistério que só o grande Patilhas poderá solucionar!

Quando Ventoinha nasceu, o seu papá, que esperava o feliz acontecimento na sala ao lado, com a natural impaciência de todos os papás, e fumando cigarros até à cortiça, exclamou, em tom irado: «Quem foi o artolas que abriu uma janela?!...»
Realmente, sentia-se por toda a casa uma forte corrente de ar. Sentia-se
vento!

Por isso, o bebé recebeu o nome de Ventoinha. Era um bebé activo, que se mexia muito, provocando correntes de ar fresco em todas as direcções. No Verão, a família poupava um dinheirão: em vez de utilizar refrigeração eléctrica, ligava o miúdo...

Porém, muito cedo o rapazinho começou a mostrar o seu feitio refiIão. Quando o mandavam para a cama (precisamente na altura em que a televisão terminava a apresentação das suas «cow-boyadas», com tiros e mortos, para começar a exibir variedades), o Ventoinha levantava sempre cabelo, e dizia:
«Contrariado... mas vou!» E ia, realmente, bastante contrariado...

Na escola, era o mesmo. Quando o professor o mandava ir ao quadro, dizia sempre: «Contrariado... mas vou!» Quando o mandava sentar, depois de lhe aplicar o habitual «zero» na caderneta, respondia na mesma:
«Contrariado... mas vou!»

Aos 20 anos, teve um ataque de fígado e outro de amor... Do ataque de fígado curou-se, mas do outro, não. E assim, casou com a Flausina, aquela menina que tinha a voz tão fininha como as pernas... Até na altura do «sim», quando lhe perguntaram se aceitava a Flausina para esposa, ele respondeu: «Contrariado... mas aceito!»

Foram muito felizes, e não tiveram muitos meninos: só tiveram um, o Flautinha, que parece querer seguir a profissão do papá, e já se dedica, apesar da sua pouca idade, a fazer investigações no quarto das criadas...

A Flausina faleceu de morte macaca, ainda muito nova. E o Ventoinha ficou com o encargo de aturar o Flautinha... e o seu chefe Patilhas, que ainda é mais difícil de suportar que o miúdo. Mas o Ventoinha dá-se bem com ele, embora seja desconsiderado, às vezes, e mal compreendido. Apesar disso, todos os dias, vai para o escritório trabalhar. Vai ajudar o seu chefe a resolver os maiores mistérios deste século, tais como o «mistério do prego sem mostarda e com ferrugem», o «mistério da ga sosa sem bolinhas», o «mistério do bolo-rei sem buraco», e outros misté rios ainda mais misteriosos. Sim, o Ventoinha levanta-se todos os dias às onze da madrugada, e vai trabalhar.

Contrariado... mas vai!

VENTOINHA
PARODIANTES
In livro «Patilhas e Ventoinha» (parodiantes de Lisboa 1962)
HISTÓRIAS (Escritas)
- O CASO DAS SARDAS MISTERIOSAS
- O CASO DO BARBUDO PERSEGUIDO
- O CASO DO MORTO ENVERGONHADO